domingo, 12 de outubro de 2014
Procuram-se estudantes
Além do mico-leão-dourado e do lobo-guará,
outro mamífero tropical parece caminhar para
a extinção
por Thomaz Wood Jr. — publicado 10/04/2014
Revista Carta na Escola
Diz-se que uma espécie encontra-se ameaçada
quando a população decresce a ponto de situá-la em
condição de extinção. Tal processo é fruto da
exploração econômica e do desenvolvimento
material, e atinge aves e mamíferos em todo o
planeta. Nos trópicos, esse pode ser o caso dos
estudantes. Curiosamente, enquanto a população de
alunos aumenta, a de estudantes parece diminuir.
Paradoxo? Parece, mas talvez não seja.
Aluno é aquele que atende regularmente a um
curso, de qualquer nível, duração ou especialidade,
com a suposta finalidade de adquirir conhecimento
ou ter direito a um título. Já o estudante é um ser
autônomo, que busca uma nova competência e
pretende exercê-la, para o seu benefício e da
sociedade. O aluno recebe. O estudante busca.
Quando o sistema funciona, todos os alunos tendem
a se tornar estudantes. Quando o sistema falha, eles
se divorciam. É o que parece ocorrer entre nós:
enquanto o número de alunos nos ensinos
fundamental, médio e superior cresce, assombramnos
sinais do desaparecimento de estudantes entre
as massas discentes.
Alguns grupos de estudantes sobrevivem, aqui e
acolá, preservados em escolas movidas por nobres
ideais e boas práticas, verdadeiros santuários
ecológicos. Sabe-se da existência de tais grupos nos
mais diversos recantos do planeta: na Coreia do Sul,
na Finlândia e até mesmo no Piauí. Entretanto, no
mais das vezes, o que se veem são alunos, a agir
como espectadores passivos de um processo no
qual deveriam atuar como protagonistas, como
agentes do aprendizado e do próprio destino.
Alunos entram e saem da sala de aula em bandos
malemolentes, sentam-se nas carteiras escolares
como no sofá de suas casas, diante da tevê, a
aguardar que o show tenha início. Após 20 minutos,
se tanto, vêm o tédio e o sono. Incapazes de se
concentrar, eles espreguiçam e bocejam. Então,
recorrem ao iPhone, à internet e às mídias sociais.
Mergulhados nos fragmentos comunicativos do
penico digital, lambuzam-se de interrogações,
exclamações e interjeições. Ali o mundo gira e o
tempo voa. Saem de cena deduções matemáticas,
descobertas científicas, fatos históricos e o que mais
o plantonista da lousa estiver recitando. Ocupam seu
lugar o resultado do futebol, o programa de quintafeira
e a praia do fim de semana.
As razões para o aumento do número de alunos são
conhecidas: a expansão dos ensinos fundamental,
médio e superior, ocorrida aos trancos e barrancos,
nas últimas décadas. A qualidade caminhando
trôpega, na sombra da quantidade. Já o processo de
extinção dos estudantes suscita muitas
especulações e poucas certezas. Colegas
professores, frustrados e desanimados, apontam
para o espírito da época: para eles, o
desaparecimento dos estudantes seria o fruto
amargo de uma sociedade doente, que festeja o
consumismo e o prazer raso e imediato, que
despreza o conhecimento e celebra a ignorância, e
que prefere a imagem à substância.
Especialistas de índole crítica advogam que os
estudantes estão em extinção porque a própria
escola tornou-se anacrônica, tentando ainda
domesticar um público do século XXI com métodos e
conteúdos do século XIX. Múltiplos grupos de
interesse, em ação na educação e cercanias,
garantem a fossilização, resistindo a mudanças, por
ideologia de outra era ou pura preguiça. Aqui e
acolá, disfarçam o conservadorismo com aulasshows,
tablets e pedagogia pop. Mudam para que
tudo fique como está.
Outros observadores apontam um fenômeno que
pode ser causa-raiz do processo de extinção dos
estudantes: trata-se da dificuldade que os jovens de
hoje enfrentam para amadurecer e desenvolver-se
intelectualmente. A permissividade criou uma
geração mimada, infantilizada e egocêntrica, incapaz
de sair da própria pele e de transcender o próprio
umbigo. São crianças eternas, a tomarem o mundo
ao redor como extensão delas próprias, que não
conseguem perceber o outro, mergulhar em outros
sistemas de pensamento e articular novas ideias.
Repetem clichês. Tomam como argumentos o que
copiam e colam de entradas da Wikipédia e do que
mais encontram nas primeiras linhas do Google. E
criticam seus mestres, incapazes de diverti-los e de
fazê-los se sentir bem com eles próprios. Aprender
cansa. Pensar dói.
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